"Jesus, ressuscitado, estava prestes a subir à morada do Pai. Junto a seus discípulos, falava sobre questões referentes ao reino de Deus, assunto de grande importância naquele momento, e sobre o que ensinara por diversas vezes noutras ocasiões.
Talvez fosse tempo de despedidas, por três anos e meio os discípulos conviveram com aquele ilustre visitante, mas os anfitriões estavam preocupados em tornarem-se órfãos daquela presença singular, cuja vida mudou o rumo de cada um deles. Queriam eles, naquela ocasião histórica, a restauração política da nação de Israel, tendo Jesus, o Cristo, o Messias de Deus, como seu rei e eles seus súditos. Assim, emplacam a controvertida pergunta: “Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?” (Atos 1.6). Tal pergunta era bastante oportuna, uma vez que, julgavam eles, o Senhor prometera o reino e estava indo embora sem cumprir a palavra. Mesmo ignorantes quanto a excelência do reino de Deus, já inaugurado por Cristo em seus corações, certo é que eles desejavam profundamente uma mudança naquele estado de coisas em que a Judéia e seu povo estavam mergulhados.
É que sua terra estava subjugada pelo domínio político e militar de Roma há muitos anos como ocorrera no Egito dos faraós por quatrocentos anos, ou quando errantes e cativos na Assíria (720 a.C) e na Babilônia (530 a.C), ou quando sujeitos ao jugo grego em vivas lembranças ainda recentes. Apesar de muitos conflitos nem sempre exitosos com dezenas de nações inimigas, aqueles discípulos sabiam que seu povo experimentara o gosto do poder e da vitória nos tempos áureos de Davi e Salomão (1010 a.C a 930 a.C), em que a nação israelita era uma só, com a força e o poder conferidos pelo Senhor dos Exércitos (Yahweh Sobbeoth), o que resultara num poderoso reino, que sucumbiu anos mais tarde à arrogância e à falta de fé no Deus Todo-Poderoso (El-Shaddai). Agora, cheios de desejo pela vinda do restaurador desse reino, mesmo diante de dezenas de “messias” que, de tempos em tempos, surgiam no cenário religioso judeu, fitavam a figura de Jesus e o viam como o homem certo para empreender a almejada libertação.
Sendo judeus, é bem possível que as mensagens proféticas sobre a vinda do legítimo messias lhes eram conhecidas, como a de Isaías 61.1-3, em que Cristo é apresentado como o ungido do Espírito de Deus para pregar “boas-novas aos quebrantados, curar os feridos de alma, trazer libertação aos cativos, consolar os que choram, e aos de luto uma coroa, em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado, a fim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória”. Durante anos, eles acompanharam Jesus em suas andanças e viram a glória do Senhor sendo manifestada pelo servo obediente. Prostitutas mudavam de vida, aleijados eram alinhados, possessos de espírito eram libertos, cegos viam e surdos escutavam. Até a morte não deteve o poder daquele homem. Portanto, para eles, era chegada a hora de Jesus fazer mais um esforço e satisfazer-lhes em seus espíritos egoístas. Sim, a pobreza de seus pensamentos era revelada pelo desejo de se reconstruir uma nação por métodos humanos, uma vez que o Espírito Santo ainda não os ungira. Se Cristo assim preferisse, não lhe seria dificultoso.
Para se ter noção do “poder de fogo” à disposição do Senhor, examine a fala de Jesus quando, no jardim de Getsêmani, repreendeu Pedro pela atitude insensata de cortar a orelha de um soldado do sumo sacerdote, ao dizer-lhe que precisava tomar o cálice preparado pelo Pai, isto é, deveria ser preso, açoitado, cuspido e crucificado, e que se necessitasse de alguma defesa pessoal oraria ao Pai e este lhe enviaria mais de doze legiões de anjos. O termo legião refere-se a um exército composto por três a seis mil soldados romanos. Sem cortejo aos números, mas fazendo as contas, Jesus tinha mais de trinta e seis mil anjos de guerra a seu dispor. Somente um anjo do Senhor foi capaz de destruir um exército assírio com cento e oitenta e cinco mil soldados (2 Reis 19.35).
Cristo poderia também utilizar-se de outros artifícios também hostis. Pelos milagres e curas todos ficariam impressionados com a sua pessoa, pelos argumentos anárquico-revolucionários arregimentaria rebeldes civis e militares, rumariam numa poderosa coluna em direção a Roma, destruiriam o império, libertariam a nação cativa de Israel, e ele seria o seu presidente, ou melhor, seu rei. Contudo, a revolução que Cristo proporia não era eivada de raiva, mas de amor; não com armas, mas com a força do seu Espírito.
Com tanto poder, afinal as coisas que se vêem e as que não se vêem foram criadas por Ele, Cristo poderia ainda usar outro meio: daria um peteleco fatal em Satanás e, de uma vez por todas, poria fim ao tempo de opressão maligna dominante no mundo e estabeleceria, em definitivo, o reino de paz e justiça. Aliás, a recusa de Cristo em agir dessa forma não é da fácil entendimento. A explicação reside no fato de Jesus ter escolhido a Igreja, Seu corpo, organismo vivo, capacitando-a com o Espírito Santo para destruir as portas do inferno, resgatar os aprisionados, restaurar vidas e estabelecer seu eterno e vindouro reino.
Frustrados em suas perspectivas, mas agora cientes da sublime missão de serem testemunhas do Senhor em todo o mundo, dias depois daquela emblemática pergunta, dezenas de seguidores do mestre, enquanto reunidos numa sala de comida no festivo tempo de pentecostes, recebem o poder do Espírito. Agora sim, prontos para a obra, devem cumprir a vontade do Pai: alargar as fronteiras do reino recém inaugurado no coração do homem. Este consiste não apenas na provisão material de bens e alimentos aos súditos, mas principalmente na provisão da justiça, da paz e da alegria (Romanos 14.17).
A proposta do Senhor não se limitava à restauração de Israel, mas de todos os povos, por meio da Igreja. Isso mesmo, aquele inexpressivo número de crentes teria que impactar o mundo inteiro a partir de Jerusalém. Tarefa árdua, beirando o suicídio, porém prenhe de nobreza e valentia. Mártires surgem, sangue escoa, vida floresce.
Lamenta-se o fato de que os valores do reino tão evidentes na primeira igreja: a Igreja-corpo, leve, viçosa e ativa, como descrita em Atos 2.42-47 e em Atos 4.32-36, não se permearam às seguintes. Ao contrário, são oprimidos dentro de uma estrutura pesada, doentia e covarde chamada Igreja-instituição, cujo comportamento não tem sido louvável ao longo dos anos. A verdade é que a igreja, da forma pensada por Jesus, afastara-se dos princípios por Ele concebidos, ao ponto de se insurgirem contra seus pilares inúmeras seitas e filosofias humanas, algumas tão díspares que se apartaram da figura central da Ecclesia, Cristo. É o caso do Islamismo, forte movimento religioso do sétimo século da era cristã, ainda crescente nos dias atuais. Seu fundador, Maomé, arvorou-se como o Profeta de Deus, o último enviado para cumprir a vontade deste: estabelecer uma só nação, todavia tendo o Alcorão como as prescrições derradeiras e definitivas para a restauração do mundo. Dizia ele que a igreja falhara como centro de expansão e vivência do reino de Deus na terra, tal qual a prévia lei mosaica fora inerte para consolidar tal propósito.
Além dessa soberba doutrina, a igreja é afligida por formas outras de instituições humanas, algumas dizem ser altruístas até, mas que, veladamente, intentam substituí-la ou sucedê-la. A mais importante delas é o próprio Estado, ente político-jurídico com ênfase central à idéia de representatividade civil, ora por um soberano, ora por uma assembléia, mas norteado sempre pela vontade egoística do espírito humano em detrimento à vontade de Deus. Esta é a de que O reverenciemos como Rei e Senhor exclusivos, e com a nobre função de representá-Lo na terra.
Tais desatinos culminaram em sérios conflitos entres povos em todo o mundo, principalmente nos lugares onde a mensagem de amor e paz trazida por Cristo deveria ser a razão da vida dos contendores, haja vista terem sido os primeiros a recebê-la.
Na tentativa de se restabelecer o original padrão do conceito de igreja, lampejos da glória do Senhor piscavam através de movimentos reformadores e avivamentos espirituais. Sem favores apologéticos, e excluídos pontuais erros doutrinários, o Anabatismo, o Protestantismo e o Metodismo, dentre outros, tipificavam um elevado espírito de inconformismo religioso, não o suficiente para estabelecer o modelo de Deus planejado para o mundo.
Aquela pequena igreja dos tempos apostólicos serve assim como paradigma a ser reproduzido entre os povos, de tal forma que todos constituir-se-ão a Igreja, uma só nação, santa, eleita e íntima, de propriedade particular de Deus, e com o firme propósito de glorificá-Lo para sempre. Haveria um só líder, Cristo, o Rei, tendo seus príncipes, os pastores, a nobre missão de conduzir os súditos a bom termo. As necessidades humanas, inclusive materiais, seriam todas supridas por meio do corpo. As ofertas voluntárias e conscientes dos bens, e a partilha responsável destes, aplacariam a miséria social. Por seu turno, as dores decorrentes do pecado, ou mesmo das vicissitudes da vida, seriam amenizadas pela mão fraternal. Vale dizer, que tal configuração não é apologia à presença do estado teocrático, pelo menos nos moldes apresentados no tempo de Moisés ou de Juízes, ou no período dos reis israelitas, tampouco como dos atuais regimes políticos de certos países árabes, mas é uma defesa da tão só existência de uma comunidade universal prenhe dos valores do reino do Pai. Nesta, o Espírito Santo basta.
Sendo idéia de Deus, e diante da clara percepção de que o mundo soluça por uma ação legitimada pelo amor fraternal, a igreja constitui a única agência capaz de albergar os valores do reino, cujos reflexos perpassam à eternidade. Portanto, urge a necessidade de sermos testemunhas do Senhor Jesus através de uma vida devotada ao evangelismo, à comunhão e ao serviço cristão.
Os sonhos de Deus parecem utópicos, loucos ao entendimento do homem, mas jamais irrealizáveis. A igreja é realização plena do desejo do Senhor, neste tempo e no vindouro também."
Texto escrito por Elvis Batista.
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